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PARA PENSAR ANDANDO
21/05/2020 por MARCELINO FREIRE

UM GRACILIANO ENORME
Aí aqui, andando pela casa com os livros de Graciliano Ramos debaixo do braço, todos eles em uma mesma rara coleção, revejo Vidas Secas, S. Bernardo, Infância, Angústia.
Puxo pelas primeiras imagens que me vieram dos personagens. Pelo cheiro da primeira leitura, agora renovado. Cheiro guardado entre as páginas, lá do passado.
E me vem à vista um apontamento antigo, sobre “a palavra de estimação”. Há uma, sempre. Eu sempre falo. Aquela palavra que o escritor ou escritora carrega consigo. Volta e meia, em sua obra, a palavra salta.
De Graciliano, anotei a recorrência do adjetivo “enorme“.
Vejamos, na prática:
– Em Vidas Secas: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.”
Puxo pelas primeiras imagens que me vieram dos personagens. Pelo cheiro da primeira leitura, agora renovado. Cheiro guardado entre as páginas, lá do passado.
E me vem à vista um apontamento antigo, sobre “a palavra de estimação”. Há uma, sempre. Eu sempre falo. Aquela palavra que o escritor ou escritora carrega consigo. Volta e meia, em sua obra, a palavra salta.
De Graciliano, anotei a recorrência do adjetivo “enorme“.
Vejamos, na prática:
– Em Vidas Secas: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.”
Em S. Bernardo: “Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.”
– Em Infância: “Achava-me numa vasta sala, de paredes sujas. Com certeza não era vasta, como presumi: visitei outras semelhantes, bem mesquinhas. Contudo pareceu-me enorme. Defronte alargava-se um pátio, enorme também, e no fim do pátio cresciam árvores enormes.”
Esse trecho aí do livro Infância creio que explique o uso constante. Vem, então, do olhar da infância do escritor. Para ele, era tudo grande, e tudo enorme.
Palavra que Graciliano escolhe para não perder de vista, em sua escrita, o que ele, ainda menor, fixou. O mundo, tão imenso, ao redor. O que ocorre com os olhos miúdos de cachorra Baleia. E com os olhos acovardados e apequenados de Paulo Honório em S. Bernardo.
Verifico.
O “enorme” aparece também em outros livros. E fico pensando qual a palavra que trago comigo de longo tempo, hein?
Talvez seja o “hein”, seguido de interrogação. Eu uso muito, em meus textos, uma recorrente interrogação, enorme.
Mas isso é só um comentário. Quem sou eu, diante de Graciliano Ramos, Deus Meu? Sem comparação.
No entanto, não posso deixar de lembrar do poema que José Paulo Paes fez para Manuel Bandeira, que se autoproclamava um poeta “menor”. Que nada! Nada de poeta “menor”, podem apostar.
Segundo Paes, Bandeira sempre foi um poeta “menormenormenormenormenormenormenormenormenorme“.
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