Biografia



Biografia

    Há uma curiosa história a respeito de como Graciliano encarava escrever seus dados biográficos.  Em carta enviada por Graciliano Ramos em novembro de 1937 a seus tradutores argentinos Benjamin de Garay e Raúl Navarro, o escritor se pronuncia como um  sujeito desprovido de biografia. E acresce:
     "Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis - Caetés, publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances."

 (Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos. Salvador: EDUFBA, 2008). 
Graciliano Ramos nasceu em 1892, em Quebrângulo, Alagoas. Dois anos depois se mudou com a família para a Fazenda Pintadinho, em Buíque, sertão de Pernambuco, onde permaneceu até 1899. Em 1905 se mudou para Maceió, onde estudou por um ano no tradicional Colégio Quinze de Março. Quando retornou àquela cidade fez o segundo grau, mas não cursou faculdade. Em 1914 foi ao Rio de Janeiro, onde pôde intensificar sua carreira jornalística. Depois de um ano retornou a Palmeira dos Índios, pois soubera que seus três irmãos haviam morrido em decorrência da febre bubônica. Lá se tornou comerciante, deu continuidade à carreira de jornalista e ingressou na política. Tornou-se prefeito e exerceu mandato por dois anos (1928-1930).
Em 1933 retornou a Maceió para ocupar o cargo de diretor da Instituição Pública de Alagoas, conhecendo então Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge Amado. Em 1936, sob a acusação de ser subversivo, foi preso pela ditadura Vargas, sofrendo horrendas humilhações – experiências reveladas em sua obra “Memórias do Cárcere”.
Em 1945, depois de libertado, fixou-se no Rio de Janeiro e não mais voltou ao Nordeste, época então que se consagrou como um dos maiores romancistas brasileiros, considerados por muitos o sucessor de Machado de Assis. Nesse mesmo período filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Com câncer, faleceu em 1953, cercado de muitos amigos e muitas homenagens.
Firmados todos esses pressupostos biográficos, passemos agora a compreender seu perfil artístico, bem como as características que nortearam a época em questão.
A segunda fase modernista, também chamada de geração de 1930 (prosa) consolidou ainda mais as ideias promulgadas pela primeira fase. Tal geração abordou as causas sociais de forma veemente, como uma espécie de denúncia, de crítica social, frente à realidade social brasileira, tendo a seca nordestina como alvo. Por tal razão, essa fase foi considerada neorrealista, uma vez que retomou a observação que o homem estabelece com o meio em que vive, não sendo mais um produto da raça, do meio e do momento, ao gosto do Determinismo, mas um ser humano que vive em conflito consigo mesmo.
Esses propósitos foram oriundos dos posicionamentos ideológicos desses artistas, que tão bem souberam representar o cenário artístico daquela época. Além disso, também houve reflexos políticos de toda ordem, sobretudo em se tratando da revolta oligárquica, que, após a derrota de Luís Carlos Prestes e a ascensão de Getúlio Vargas, desembocou na instauração da ditadura do Estado Novo.
Como ressaltado anteriormente, Graciliano Ramos, assim como tantos outros, foi vítima dos mandos e desmandos ditatoriais que assolaram o país naquela época. Assim, por meio de seu romance “Vidas Secas”, esse nobre autor descreveu de forma magistral sua indignação diante da condição de miséria em que viviam os retirantes nordestinos. Dessa forma, quando analisamos o nome que dera aos personagens da obra em questão (Sinhá Vitória, sua mulher, a cachorra Baleia, o filho mais novo e o mais velho), constatamos que ele, de forma irreverente e irônica, denunciou todo o contexto natural e social ao mesmo tempo. Vejamos, pois, um fragmento, para constatarmos tal fato:

[...]Os meninos sumiam-se numa curva do caminho. Fabiano adiantou-se para alcançá-los. Era preciso aproveitar a disposição deles, deixar que andassem à vontade. Sinha Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos filhos. Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito.
E a conversa recomeçou. Agora Fabiano estava meio otimista. Endireitou o saco da comida, examinou o rosto carnudo e as pernas grossas da mulher. Bem. Desejou fumar. Como segurava a boca do saco e a coronha da espingarda, não pôde realizar o desejo. Temeu arriar, não prosseguir na caminhada. Continuou a tagarelar, agitando a cabeça para afugentar uma nuvem que, vista de perto, escondia o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia. Os pés calosos, duros como cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não caminhariam? Sinha Vitória achou que sim. [...] Por que haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo no mato como bichos?
Com certeza existiam no mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos, como bichos?
Fabiano respondeu que não podiam.
–– O mundo é grande.
Realmente para eles era bem pequeno, mas afirmavam que era grande –– e marchavam, meio confiados, meio inquietos. Olharam os meninos que olhavam os montes distantes, onde havia seres misteriosos. Em que estariam pensando? zumbiu sinha Vitória. Fabiano estranhou a pergunta e rosnou uma objeção. Menino é bicho miúdo, não pensa. Mas sinha Vitória renovou a pergunta –– e a certeza do marido abalou-se. Ela devia ter razão. Tinha sempre razão. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando crescessem.
–– Vaquejar, opinou Fabiano.
Sinha Vitória, com uma careta enjoada, balançou a cabeça negativamente, arriscando-se a derrubar o baú de folha. Nossa Senhora os livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que ideia!
Chegariam a uma terra distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios secos, espinhos, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes.

RAMOS, Graciliano.( Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 120-122.)
Graciliano também criou o romance “São Bernardo”. Por meio do personagem Paulo Honório, revelou-se como um autêntico indignado e soltou a voz no sentido de denunciar os infortúnios que a vida lhe causara, principalmente demonstrando que o protagonista era um ser que subjugava todos à sua volta. Além dessas obras já citadas, citamos também, como fruto de seu talento artístico:

  • Caetés (1933)
  • Angústia (1936)
  • Infância (1945)
  • Insônia (1947) 
  •  Viagem (1954).

Video com fotos da vida de Graciliano Ramos








Assinatura de Graciliano Ramos




Cento e vinte e seis anos de resistência

Em 27 de outubro de 1892, nasceu Graciliano Ramos, meu escritor brasileiro favorito.
O primeiro livro de Graciliano que li era um exemplar já malhado pelo tempo, que passou de meu avô para minha mãe: um Vidas secas de 1969, da editora Martins. O volume estava protegido com uma capa adicional de plástico, para que resistisse ao tempo. Resistiu. Está até hoje  inteiro.
Resistência, aliás, é uma palavra boa para o velho Graça. Seu estilo seco, duro, direto, compacto, verrumante, é capaz de fisgar adolescentes do Brasil de hoje, nas escolas e fora delas, como uma obra viva.
Resistência serve também para lembrar a enorme indisposição de Graciliano a ceder, na escrita, ao estilo aparatoso, rebuscado, cheio de pompa que predominava no Brasil da virada do XIX para o XX. Resistir, recusar esse estilo significou, na literatura e na vida de Graciliano, opor-se à falsa inteligência, a falsa complexidade, cujo fundo é a enganação, a mentira, a ostentação e a opressão. A falsa sofisticação das elites brasileiras de sempre que, por trás de seu verniz arrogante, esconde o espírito obtuso, o egoísmo indecente, a compreensão curta. Contra isso Graciliano lutou, obsessivamente.
Resistência ao arbítrio e ao totalitarismo do Estado de Vargas, que  atirou Graciliano na cadeia, sem qualquer acusação formal. Resistência também ao sectarismo do PCB, que lhe exigia uma literatura laudatória, quando para Graça o mais honesto, na ficção, era indagar. Mas na vida, como cidadão, em resistência ao comodismo e ao abstencionismo, Graciliano filiou-se ao PCB, defendendo abertamente o comunismo.
Um herói nacional? Tudo o que Graça mais detestaria. Um homem que se sentiu – em toda a sua estada no Rio de Janeiro e em suas (poucas) perambulações pelo mundo – eternamente sertanejo: rústico, seco, duro, como a sua prosa. Uma prosa que seguramente permanecerá, como resistência à pompa e às leituras simplificadoras da realidade.

Outra Biografia de Graciliano Ramos construída
por Dilva Frazão

Graciliano Ramos (1892-1953) foi um escritor brasileiro. O romance "Vidas Secas" foi sua obra de maior destaque. É considerado o melhor ficcionista do Modernismo e o prosador mais importante da Segunda Fase do Modernismo. Suas obras embora tratem de problemas sociais do Nordeste brasileiro, apresentam uma visão crítica das relações humanas, que as tornam de interesse universal. Seus livros foram traduzidos para vários países. Seus trabalhos "Vidas Secas", "São Bernardo" e "Memórias do Cárcere", foram levados para o cinema. Recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner, dos Estados Unidos, pela obra "Vidas Secas".

Infância e Juventude
Graciliano Ramos nasceu na cidade de Quebrângulo, Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. Filho de Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos era o primogênito de quinze filhos, de uma família de classe média do Sertão nordestino. Passou parte de sua infância na cidade de Buíque, em Pernambuco, e parte em Viçosa, Alagoas, onde estudou no internato da cidade. Em 1904 publicou no jornal da escola seu primeiro conto “O Pequeno Pedinte”. Em 1905 mudou-se para Maceió, onde fez seus estudos secundários no Colégio Interno Quinze de Março, onde desenvolveu maior interesse pela língua e pela literatura.
Em 1910 foi com a família morar em Palmeira dos Índios, Alagoas, onde seu pai abriu um pequeno comércio. Em 1914 foi para o Rio de Janeiro, quando trabalhou como revisor dos jornais Correio da Manhã, A Tarde e em O Século. Voltou para a cidade de Palmeira dos Índios, onde duas irmãs haviam falecido de peste bubônica, em 1915. Trabalhou com o pai no comércio. No ano seguinte, casou-se com Maria Augusta Barros, com quem teve quatro filhos.

Cargos públicos

Em 1928, Graciliano Ramos foi eleito prefeito da cidade de Palmeira dos Índios. Nesse mesmo ano, já viúvo, casou-se com Heloísa de Medeiros, com quem teve quatro filhos. Em 1930, deixou a prefeitura e mudou-se para Maceió, onde assumiu a direção da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado.

Primeiras obras

Graciliano Ramos estreou na literatura em 1933 com o romance "Caetés". Nessa época mantinha contato com José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Jorge Amado. Em 1934 publicou o romance "São Bernardo" e em 1936 publicou "Angústia". Nesse mesmo ano, ainda no cargo de Diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado, foi preso, sob a acusação de que era comunista. Ficou nove meses na prisão, sendo solto, pois não encontraram provas.
Em 1937, Graciliano Ramos mudou-se para o Rio de Janeiro. Foi morar em um quarto de pensão com a esposa e as filhas menores. Em 1939 foi nomeado Inspetor Federal de Ensino. Em 1945 ingressou no Partido Comunista. Em 1951 foi eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores. Em 1952 viajou para os países socialistas do Leste Europeu, experiência descrita na obra "Viagem", publicada em 1954, após sua morte.

Características de sua obra

Graciliano é considerado o mais importante ficcionista do Modernismo, fez parte do grupo de escritores que inaugurou o realismo crítico, representando os problemas brasileiros em geral ou específicos de determinada região. Trata-se de uma literatura que traz para a reflexão problemas sociais marcantes do momento em que os romances foram escritos. Literatura destinada a provocar a conscientização, o romance regionalista tem como lema criticar para denunciar uma questão social.
A preocupação com a linguagem é o traço peculiar do escritor. O interesse de sua narrativa está centrado na problemática do homem. O interesse está diretamente voltado para o comportamento, atitudes e conduta humana, e a descrição da paisagem nasce da própria caracterização psicológica dos personagens:
Vidas Secas” (1938) é considerada a obra-prima de Graciliano Ramos. Narra a história de uma família de retirantes nordestinos, que atingida pela seca é obrigada a perambular pelo sertão, em busca de melhores condições de vida. A obra pretende mostrar a tirania da terra cruel, atuando sobre o homem.
Graciliano Ramos escreve também obras autobiográficas, onde reúne acontecimentos e cenas selecionadas pela memória, revestidas de extrema subjetividade. Nessa linha destacam-se “Infância” (1945) e “Memórias do Cárcere” (1953), onde o autor retrata as experiências dolorosas de sua vida durante os nove meses em que esteve preso.
Graciliano Ramos faleceu no Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1953.

Obras de Graciliano Ramos

  • Caetés, romance, 1933
  • São Bernardo, romance, 1934
  • Angústia, romance, 1936
  • Vidas Secas, romance, 1938
  • A Terra dos Meninos Pelados, literatura juvenil, 1942
  • História de Alexandre, literatura juvenil, 1944
  • Dois Dedos, literatura infantil, 1945
  • Infância, memórias, 1945
  • Histórias Incompletas, literatura infantil, 1946
  • Insônia, contos, 1947
  • Memórias do Cárcere, memórias, 1953
  • Viagem, memórias, 1954
  • Linhas Tortas, crônicas, 1962
  • Viventes das Alagoas, costumes do Nordeste, 1962



Autorretrato aos 56 anos

Este post é dedicado a uma pérola da autobiografia brasileira; sobretudo para quem, como eu, é fascinado pela obra de Graciliano Ramos.
O velho Graça[1] usa aqui seu característico estilo – seco, direto e despojado – para falar de um assunto que se enquadra perfeitamente a esse estilo: sua própria pessoa.
Segue abaixo o texto, com algumas notas minhas destacando curiosidades:
Autorretrato aos 56 anos

Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas.
Casado duas vezes, tem sete filhos.
Altura 1,75.
Sapato n.º 41.
Colarinho n.º 39.
Prefere não andar.
Não gosta de vizinhos.
Detesta rádio, telefone e campainhas.
Tem horror às pessoas que falam alto.
Usa óculos. Meio calvo.
Não tem preferência por nenhuma comida.
Não gosta de frutas nem de doces.
Indiferente à música.
Sua leitura predileta: a Bíblia[2].
Escreveu Caetés[3] com 34 anos de idade.
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados.
Gosta de beber aguardente.[4]
É ateu[5]. Indiferente à Academia.
Odeia a burguesia[6]. Adora crianças.[7]
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.
Gosta de palavrões escritos e falados[8].
Deseja a morte do capitalismo.
Escreveu seus livros pela manhã.
Fuma cigarros Selma (três maços por dia).[9]
É inspetor de ensino, trabalha no “Correio do Manhã”.
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo.[10]
Só tem cinco ternos de roupa, estragados.
Refaz seus romances várias vezes.
Esteve preso duas vezes.
É-Ihe indiferente estar preso ou solto[11].
Escreve a mão.
Seus maiores amigos: Capitão Lobo[12], Cubano[13], José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas.
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas[14].
Espera morrer com 57 anos[15].


[1] Graça era como chamavam Graciliano Ramos alguns de seus amigos. Outra forma usada pelos íntimos era Mestre Graça ou ainda Velho Graça. Na biografia de Dênis de Moraes (O  Velho Graça, Editora José Oympio),  a qual estou lendo no momento, descobri que os familiares tratavam Graciliano pela forma abreviada Grace.

[2] Como muitos escritores e intelectuais, Graciliano tinha a Bíblia como uma obra literária, importante para a formação cultural do indivíduo.

[3] A história da publicação desse romance, o primeiro de Graciliano Ramos, merece comentários. Graciliano, quando prefeito de Palmeira dos Índios (de 1928 a 1930), envia para o governador de Alagoas o relatório de prestação de contas do município. Esse relatório, por suas qualidades literárias, acaba indo parar nas mãos do editor Augusto Schmidt, que procura Graciliano para saber se ele possui outros escritos que pudessem ser publicados. O que Graciliano tinha era exatamente o romance Caetés, e publicou-o.


[4] Em um dos momentos mais perturbadores de Memórias do cárcere, Graciliano, deprimido, sem comer e sem apetite, procura atenuar seu desespero bebendo uma garrafa de cachaça que consegue com dificuldade nos porões do Manaus, navio no qual foi transportado com mais algumas centenas de presos.

[5] Em Memórias do cárcere, Graciliano Ramos narra a situação insólita que viveu com um policial que não conseguia fazer seu registro de prisioneiro na Ilha Grande unicamente porque não havia nenhum campo na ficha a preencher onde coubesse o adjetivo ateu. O episódio é interessante por fazer-nos pensar na singularidade da posição de Graciliano Ramos, ateu numa época e num lugar onde isso era mais que uma aberração: era praticamente um crime. A despeito de estarmos em pleno século XXI, a sociedade brasileira tem dado mostras (como podemos ver nas disputas eleitorais deste ano) de atitudes regressivas semelhantes às que Graciliano Ramos enfrentou ao longo de sua vida – somos uma sociedade ainda marcada, em muitas instâncias, pela presença de um moralismo e de um dogmatismo cristãos que oprimem moral e politicamente quem se coloca de modo contrário aos princípios defendidos pelas igrejas e pelos seus fiéis.

[6] A situação da “conversão” de Graciliano Ramos ao comunismo é curiosa. Quase dez anos depois de ser preso por suas ideias progressistas (mas os motivos formais de sua prisão nunca foram declarados pelas autoridades; Graciliano não teve sequer um processo judicial), o escritor encontrou, numa viagem a Belo Horizonte, por acaso, ninguém menos que o líder comunista Luís Carlos Prestes. Essa conversa foi decisiva para a filiação de Graciliano ao Partido Comunista Brasileiro.

[7] Vemos isso pela foto, em que Graciliano Ramos aparece paparicado pelas netinhas Sandra e Vânia.

[8] Nada que possa pôr Graciliano no patamar de um Jorge Amado, escritor mais “boca-suja” de nossa literatura. Mas a presença do palavrão e mesmo de termos considerados chulos se faz marcante na obra de Graciliano, aliás um dos traços que confirmam – ao contrário do que muitas vezes se diz –  sua comunhão com alguns pressupostos modernistas.

[9] Não por acaso, o velho Graça morreu de câncer pulmonar.

[10] Eis uma frase exótica, perfeita para o epitáfio de um niilista.

[11] Essa “indiferença” chega a soar ofensiva: Como pode um homem ser tão desapegado, tão forte? Esse é o tipo de pergunta que eu me fiz insistentemente ao longo da leitura das Memórias do cárcere.

[12] Capitão Lobo: oficial comandante do quartel em que Graciliano esteve preso, no Recife, em 1936.

[13] Cubano: ladrão que o escritor conheceu na prisão.

[14] Graciliano Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios de 1928 a 1930. Seu governo, pela seriedade, incomodava os privilégios dos chefões locais.


[15] Ao contrário dessa previsão, que revela de modo até espantoso seu completo desapego, Graciliano morreu aos sessenta e um anos, em 1953. Outra previsão em que se saiu mal foi em relação ao desenvolvimento do futebol no Brasil: ao saber que o esporte se popularizava pelo País, Graciliano exclamou algo como “Essa bobagem inglesa nunca vai pegar aqui!” Errou feio, meu caro, tornamo-nos simplesmente o País do Futebol, somos pentacampeões! Mas numa previsão Graça foi perfeito: depois de ler o volume de contos Sagarana, ele previu que Guimarães Rosa escreveria um livro maior, de mais fôlego, um imenso romance, imenso no tamanho e na importância, o mais importante do século XX, livro que não poderia ser lido por ele, que na ocasião já estaria morto. Batata: Grande sertão: veredas, que parece realmente um desdobramento dos contos de Sagarana, foi publicado em 1956, ou seja, três anos após a morte de Graciliano, e é considerado por muitos o maior romance brasileiro do século XX. Outra curiosidade é que Ricardo Ramos, filho de Graça, também escritor, morreu, em 1992, no mesmo dia do mês e da semana que o pai.  Este post ficou meio agourento? Escreverei num próximo sobre outros aspectos de Graciliano Ramos, meu autor favorito.







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